Meu transtorno, minhas regras
No bingo da patologização da vida, um diagnóstico torto, mas certeiro, sobre um animal em profundo sofrimento todo mês.
Você tem uma sigla, um CID? Quem não, hoje? Eu tenho alguns com, vejam só, diagnóstico médico e tudo. Estou medicada há meses (te amo, fluoxetina!), me entendendo entre sintomas, neurocoisas e tudo mais.
Um desses foi o que mais impactou a minha vida desde a adolescência e só foi diagnosticado “por tabela” quando iniciei um tratamento para outra condição. E a partir disso, fui mergulhando no chamado dessa dor catalogada como transtorno Disfórico Pré-Menstrual, ignorada por todos os ginecologistas pelos quais passei reclamando do estado miserável em que ficava desde a primeira menstruação da minha vida.
Medusa de Caravaggio, retratada durante uma crise de Disforia Pré-Menstrual
Cólicas absurdamente doloridas, incapacitantes. Uma depressão e irritação de querer colocar a casa, o mundo, o sistema abaixo. Exames e exames e nada físico - “precisa se exercitar mais”, me recomendavam. “É uma TPM forte a sua”. Eu me exercito desde os 4 anos. Passei a infância nadando, voltei a nadar adulta, sou bailarina, instrutora de Hatha Yoga que há quase uma década pratica Yoga religiosamente, já fiz muita musculação, pilates, enfim. Amo estar em movimento, me alimento bem e ainda assim a minha “TPM forte”, com suas dores físicas e emocionais, me faziam ter a sensação de ser um bicho ferido, agonizando e urrando sozinho, à beira da morte. Essa imagem traduz perfeitamente como me sentia. Como me sinto, porque continua aqui. É verdade que tudo piorava se eu não conseguia me exercitar como de hábito - só que eu poderia ter cruzado o oceano a nado dias antes e passaria por todo esse caos da mesma forma.
Nessa semana estou assim. A diferença é que, medicada e sabendo o que engatilha essa desgraça, sofro bem menos, tenho menos cólicas e sei que vai passar antes de tomar algumas das mil medidas drásticas que passam pela minha cabeça - agora, com menos força -, como: responder alguma mensagem mandando tomar no cu, jogar trampo, casa, relacionamentos paro o ar, quebrar copos na cozinha. Boa parte disso eu já fiz no passado por conta da minha suposta falta de exercícios para regular a minha TPM.
E a dor. É uma dor que não consigo nem descrever. Eu sei bem a diferença entre uma cólica “normal” e essa dor que me joga na cama, retorcida. Agora, ainda bem, bem menos intensa, um ibuprofeninho e puft, sumiu. Os gatilhos: stress, burnout, depressão, ansiedade, noites mal dormidas. Alguém aí falou capitalismo tardio? Pois é.
Meu ciclo menstrual, como o de muitas mulheres, torna em alguns dias insuportável o que nos demais a gente apenas lamenta. Dados apontam que afeta até 8% das mulheres - como é uma condição que interage com outras preexistentes, essa porcentagem provavelmente é muito maior, já que muitas passam anos sem ter este diagnóstico.
Remédio e terapia têm me ajudado muito. Eu também tenho tentado entender esse martírio, já que parece potencializar tudo aquilo que já me incomoda e eu apenas toco fora do período menstrual. Como se esse bicho ferido fosse algo indomesticável que uma vez por mês se dá conta da jaula em que está.
A melhor equação por aqui é: um pouco de Big Pharma, um pouco de autoconsciência. Engolir o ibuprofeno e meditar, dançar, ir ao terreiro falar com entidade, refletir sobre o que preciso mudar na vida, trocar de pele. Esse desconforto precisa ser tratado e precisa ser ouvido. Eu não acolho a minha criança interior (essa sabia se virar); acolho meu animal em profundo sofrimento enquanto o mundo queima lá fora.
Se você se identificou com algo neste texto, insista com seu ginecologista, busque psiquiatras e psicólogos, investigue e se cuide. Se quiser falar sobre, me escreve.
Só esse ano eu decidi ignorar todo mundo (isso inclui a minha antiga terapeuta que esteve comigo por cinco anos) e buscar algum médico que analisasse profundamente a minha condição. Foram muitos, grande parte deles me dizendo a mesma coisa: "É normal", "Você precisa se exercitar".
As coisas começaram a se agravar pra mim durante a pandemia, porque estava enjaulada, então tudo começou a ficar bem perceptível. Quanto às cólicas, eu não tenho, mas as oscilações psicológicas abruptas começaram a se materializar, inclusive na própria academia que eu passei a frequentar pra amenizar a situação sem qualquer sucesso. Depois de muito penar, só em JUNHO que veio o diagnóstico. Tenho acompanhamento com Psiquiatra, Ginecologista e Endocrinologista. Agora medicada, toda as pessoas que conviveram comigo nesse período conseguem perceber a diferença gritante.
Eu te agradeço por compartilhar, porque foi brabo encontrar alguém que me desse alguma luz de que porra eu tava vivendo, não conhecia ninguém vivendo alguma coisa parecida.
exatamente assim. EXATAMENTE ASSIM.
35 anos, e só agora encontrei com uma ginecologista maravilhosa que -- ela!!! -- me sugeriu que eu buscasse um psiquatra pra me ajudar a ter uma visão mais clara dessa equação que você (também) descreveu com perfeição. até agora, é o que vem funcionando: fluoxetina, macumba, dança, terapia, diário, newsletter, repensar todas as decisões que tomei na vida até agora, tudo isso junto haha.
que bom ler esse texto, obrigada!